segunda-feira, setembro 12, 2005 

Entrevista sobre portugueses mortos no Brasil


Barra da Costa

«Brasil em luto dá cada vez menos valor à vida»
Entrevista. À conversa com o Destak, o criminalista José Barra da Costa analisa os assassínios de dois portugueses no Brasil. O antigo inspector-chefe da PJ compara ainda os sequestros da austríaca Natascha e da pequena Joana.

por Manuel Geraldo

Como classifica os assassínios dos dois portugueses no Brasil: um estudante universitário na Praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, e uma antropóloga em plena Amazónia?
A segurança pública é uma questão prioritária. No Brasil vive-se no medo, dado que os brasileiros não contam com a protecção que deveria advir do aparente processo democrático iniciado há algumas décadas. Os condomínios cercados por grades fortificadas e protegidos 24 horas por seguranças particulares contrastam com comunidades que não dispõem de recursos e são abandonadas pelo Estado. As periferias urbanas e o interior marginalizado são territórios sem lei.
Ora é neste clima que devem ser entendidos os homicídios de André Bordalo, na Praia de Copacabana, e da Vanessa Siqueira, no interior da Amazónia. No primeiro caso um toxidependente esfaqueou em plena cidade um jovem estudante para lhe roubar a mochila, no caso da académica um criminoso institucionalizado violou-a e assassinou-a sem um móbil aparente. Num país em luto permanente, sem valores, cada vez se dá menos valor ao valor por excelência, que é a vida.

Encontra alguma ligação entre o chamado «Estripador de Lisboa», que no início da década de 90 alarmou o País, e a morte no mês passado de uma prostituta nas proximidades da Rua Artilharia Um?
A Polícia Judiciária acredita que Maria de Fátima, de 43 anos, terá morrido de madrugada, na Rua Marquês de Subserra, depois de ter sido arrastada alguns metros por um automóvel, na sequência de um roubo por esticão não concretizado. Um roubo por esticão exige pelo menos um parceiro ao condutor.
O cadáver apresentava feridas profundas na cabeça. Mas, estranhamente, não havia sinais de fricção nos membros inferiores. O furto pode ter servido apenas para camuflar o crime. Não sendo profissional que roubasse os clientes ou usasse drogas, um simples ajuste-de-contas está fora de hipótese. Também é verdade que a companhia que escolheu nos últimos tempos não ajudava: taxista toxicodependente.


Para além da prostituição e de estarmos de novo na zona de Lisboa, não há semelhanças óbvias entre o caso de Fátima, que terá envolvido mais do que um agressor, e os do estripador, designadamente, no que toca ao esventramento.
O «Estripador de Lisboa», seja ele homem ou mulher, é um actor primário e sádico, de meia-idade, que retirava prazer de uma violência gratuita que lhe restituiria alguma da virilidade perdida. Ao esventrar as suas três vítimas, utilizando uma garrafa partida, como que as desflorava.
Quanto aos outros dois homicídios de prostitutas ocorridos na Margem Sul, na mesma altura, não são da autoria do mesmo indivíduo da Margem Norte, pois o «modus operandi» é diferente, desde logo porque estas foram estranguladas e não esventradas, como as três de Lisboa. Isto, apesar do médico-legista José Sombreireiro, com quem trabalhei quando eu estava na PJ, defender a hipótese de haver estrangulamento inicial das prostitutas de Lisboa antes destas serem mutiladas do pescoço à zona pélvica.

A austríaca Natasha disse que entrou em desespero quando deixou de ouvir notícias na rádio sobre as buscas que a Polícia estava a fazer para descobrir o seu paradeiro, pois a partir daí temeu que as pessoas pensassem que ela estava morta. Não poderá vir a passar-se uma situação semelhante com a pequena Joana se ainda estiver viva?
A Natascha sempre teve uma família que, pelo menos aparentemente, a amou. A Joana não me parece que tenha muita vontade de regressar. Trata-se de duas jovens que têm um passado contrastante, em que uma delas objectiva um futuro risonho, apesar dos problemas psicológicos que terá de enfrentar. A outra, estando viva, objectiva esquecer e investir num amanhã muito longe da miséria familiar e, provavelmente, da miséria social deste País.

Quanto à Natascha, há que ter atenção às suas próximas atitudes no campo da sociopatia e da inserção social. Corre o risco de, passada esta situação de euforia, tornar a enclausurar-se. Para já quer estudar psicologia. Joana nunca soube o que era um psicólogo. A única semelhança entre estes dois casos é que aquilo que ambas as jovens menos precisam, mesmo aceitando-se como provável a morte de Joana, é de uma «entrevista exclusiva» onde possam satisfazer a curiosidade mórbida dos que gostam de saber «ao pormenor» a sua vida íntima com os agressores ou a forma como terão de se adaptar a esta sociedade. De libertinagem devem estar as duas fartas. Não gostando de teorizar sobre sentimentos, espero apenas que Deus ilumine o caminho de ambas.

sábado, setembro 10, 2005 

Entrevista a Diogo Infante

foto de André Santos/Destak

O Destak publica de seguida a entrevista a Diogo Infante que saiu na edição desta segunda-feira - esta é a versão integral e mais completa.

Diogo Infante
Um "Animal" à última hora

Entrevista. O actor português participou no seu filme com maior orçamento, 11 milhões de euros, e revela que substituiu o actor norte-americano, Michael Wincott (participou em filmes como Alien: A Ressurreição, The Doors, Robin Hood: O Príncipe dos Ladrões) como co-protagonista do filme Animal, que estreou na passada quinta-feira em Portugal. Diogo Infante, que tem um papel intenso como psicopata, conta ainda que convidou Catarina Furtado para participar numa cena, onde a beija.

por João Tomé

Como surgiu o convite para este projecto?
Fui a um casting promovido pela Patricia Vasconcelos, que estava à procura de actores fluentes em inglês para participar neste produção, para personagens mais pequenos. Fui escolhido para fazer a personagem do Dr. Sebastian, que é o concorrente do Andreas, o cientista protagonista da história. Comecei a filmar e depois recebi um telefonema da produção a dizer que a realizadora gostava de jantar comigo porque tinha acontecido um problema grave com o actor americano, o Michael Wincott. Ela disse-me que ou parava o filme ou era eu a fazer o papel de Iparrak, o psicopata e serial killer. No dia seguinte eu estava a filmar já como um dos protagonistas, isto em 2004.

Este homem violento, agressivo e fechado numa jaula futurista, Iparrak, foi um desafio único?
Não tive qualquer tempo para pensar, ver muitos filmes, ler… desesperar… e acho que acabou por ser bom. Eu disse-lhe, “se tu estás disposta a correr esse risco, eu também estou, só nos resta confiarmos um no outro”. Nós achamos sempre que um psicopata, um monstro, alguém que mata 50 mulheres, tem de ter essa carga fisicamente, e eu dizia-lhe que eu não era propriamente muito forte fisicamente… ao que ela me tranquilizava ao explicar que os verdadeiros psicopatas não se enquadram naquilo que consideramos ser alguém forte. São seres muito inteligentes, sociáveis.

Nota-se em Iparrak uma certa proximidade com personagens como Hannibal Lecter. Inspirou-se nela?
Sabia que era preciso encontrar a medida certa da personagem. E o nosso imaginário tem personagens boas de psicopatas. O Anthony Hopkins [Hannibal Lecter, em Silêncio dos Inocentes], o Kevin Spacey [em Seven] já fizeram isso e era difícil não ter essa referência muito próxima, por outro lado encontrar o meu próprio psicopata, muito manipulador e inteligente como essas personagens. Fomos atacando as cenas com o apoio fantástico do Andreas [o protagonista sueco que tenta “domesticar” Iparrak com um tratamento genético] e do próprio elenco, que tinha noção da dificuldade implícita de agarrar um papel destes. Acabou por me dar um enorme prazer. Não tinha nada a perder.

Como era o ambiente da cela?
A cela era fantástica, de facto ficávamos completamente fechados, em 360 graus, e isso também ajudou a criar aquele ambiente pesado, frio, aquela luz era absolutamente horrível… Mas eu e o Andreas demo-nos muito bem, e acho que isso se sente.

Já participou em cerca de 18 filmes ao longo de vários anos. O que significa o cinema para si a na sua carreira?
É uma das coisas que gosto de fazer e não faço mais porque não há mais. Claro que considero-me um privilegiado, tenho em média mais de um filme por ano, o que não é muito comum no nosso meio, com uma produção cinematográfica muito limitada. Adoro fazer cinema porque nos permite investir take a take, cena a cena, um grau de minúcia, de rigor que na televisão não é possível e é necessariamente diferente da linguagem teatral. No cinema podemos trabalhar o detalhe, o pormenor, como os músculos da cara… porque a câmara capta. Estes dois universos complementam-se muito. São ambos igualmente muito importantes, apesar da minha actividade ter-se desenvolvido no teatro, onde consigo controlar os meios de produção, que no cinema é impensável. Estou à mercê das ofertas e dos convites. Tenho tido a oportunidade de fazer algumas produções internacionais, apesar de tudo, que me deram muito gozo… Tenho noção que a dimensão do nosso cinema é proporcional à nossa dimensão, portanto é difícil ter mais convites. E com honrosas excepções os nossos filmes não têm grande visibilidade, ou seja, lá fora quase que não sabem que nós existimos.

Esta participação pode ser um ponto de partida?
É uma oportunidade para que mais pessoas – de outros países – possam ver o meu trabalho. Vai ficar muito bem no meu showreal [currículo]. Ainda por cima é falado em inglês, que é uma coisa que me deu muito gozo. Há frases que, de facto, soam melhor em inglês do que em português.

Foi no filme Pesadelo Cor de Rosa que também teve de falar inglês como língua mãe…
É a única semelhança. Não são coisas comparáveis, até porque o orçamento do Pesadelo não tinha nada a ver com o deste filme [11 milhões de euros]. O Pesadelo teve algum impacto no nosso meio mas não teve qualquer tipo de expressão fora de fronteiras. Este filme [Animal] tem feito um enorme circuito em festivais, já estreou em França, falta estrear em Inglaterra.

Falar em inglês não foi uma dificuldade como se vê no filme. De onde vem a facilidade?
Falo inglês desde miúdo e vivi no Algarve muitos anos, tinha muitos amigos ingleses. Provavelmente é uma coisa genética também, o meu pai é inglês…

Já viu o filme, gostou do que viu?
Esta é uma primeira obra de uma jovem realizadora [a francesa Roselyne Bosch]. Desse ponto de vista acho que é extremamente promissor. Ela tem um domínio da câmara e da linguagem narrativa significativo. O filme tem obviamente algumas fragilidades, mas é importante ver pelo lado positivo. Ela está já a desenvolver um novo projecto e acho fantástico que tenha essa capacidade. Claro que tem vantagem de ser francesa, e estar num meio onde à partida é mais fácil reunir mais apoios. Este foi de longe o filme com maior orçamento em que participei.

Que diferenças encontra entre uma produção apenas portuguesa e outra com um orçamento maior [11 milhões de euros] como esta?
A nível de produção é diferente, a partir do momento que se fala de dinheiro. Por exemplo, deram-me uma roulote gigante, eu nunca tinha tido uma roulote só para mim. Senti-me mesmo uma estrela de Hollywood (risos). Ou seja, há um determinado tipo de cuidados que as produções estrangeiras às vezes têm, por exigências das suas estrelas e que pressupõe dinheiro, que em Portugal não há nestas dimensões. Mas no trato com as pessoas os portugueses são fantásticos.

Apesar da maior parte dos actores serem estrangeiros, existe um beijo a Catarina Furtado (que aparece como figurante). Como surgiu ela no filme, convidou-a?
Claro que sim. Essa cena foi inventada, no filme a realizadora queria que eu conseguisse escapar da perseguição que a polícia me fazia, e havia um artifício com que ela não estava contente e decidiu criar aquele beijo a uma figurante para despistar a polícia. Ela pensou isto na véspera de filmarmos a cena… (na Feira Popular). Eu disse-lhe que achava que não deveria de ser uma figurante, mas uma actriz, porque a cena embora não tenha texto tem uma densidade dramática muito grande e uma figurante pouco preparada podia ficar mal. Ela pediu-me para arranjar uma actriz muito bonita. Eu disse, “bonita só pode ser a Catarina”. Telefonei-lhe e ela disse logo que sim.

Faz locução, coordena um teatro, é actor de teatro. Onde se enquadra o actor de cinema nos seus planos futuros quando faz tanta coisa ao mesmo tempo?
Normalmente os convites de cinema são com bastante antecedência. Só há problemas de calendário se for para filmar daqui a duas semanas ou um mês. Na minha cabeça há sempre espaço para fazer cinema, desde que ele seja bom. O cinema permite-me um tempo, um investimento e uma relação com o texto e as cenas que a televisão não me dá. Se tiver de optar prefiro fazer cinema, mas não há muito. Está dependente dos convites. Nem sempre faço os filmes que quero, faço os filmes que posso.

O que está a fazer neste momento?
Dia 21 de Setembro estreio aqui no São Luiz um musical [Assobio da Cobra] e tenho andado a ensaiar, como é o caso de hoje [dia 5 de Setembro]. Tem sido muito divertido, tenho andado a cantar e dançar. Adoro musicais e temos um elenco fantástico: Lia Gama, João Reis, Isabel Abreu, Pedro Laginha…, com uma banda ao vivo. É uma belíssima forma de descontrair depois de passar o dia no escritório no Maria de Matos, para descompressão. Tenho ainda um filme já feito, A Ilha dos Escravos, uma produção cabo-verdiana que deve estrear para o ano.

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Ser ou não ser Animal
Por João Tomé

Não é todos os dias que um actor português pode fazer um papel semelhante ao de Hannibal Lecter, interpretado por Anthony Hopkins, num filme com dimensão internacional. Diogo Infante conseguiu-o. O resultado está aqui neste, Animal, falado em inglês, que estreou quinta-feira e retrata um jovem biólogo molecular que está determinado em eliminar a violência nos seres humanos e conseguiu a fórmula de “adormecer” esses genes. A sua cobaia é Iparrak (Diogo Infante), um psicopata serial killer detido por ter morto 50 pessoas de forma bárbara. É um filme pertinente, que nos mostra um Diogo Infante a falar inglês, agressivo, assustador e astuto, diferente de tudo aquilo que o actor já fez.

A relação estranha entre o professor Thomas (o jovem sueco Andreas Wilson) e Iparrak é um dos trunfos do filme. Sente-se tensão no ar. Mas enquanto o animal, Iparrak, começa a ser curado o “feitiço” começa a virar-se contra o “feiticeiro” (a descobrir no filme). Para os portugueses existe uma peculiaridade adicional, a cidade futurista retratada passa-se na zona da Expo, incluindo a ponte Vasco da Gama. São também muitos os actores/figurantes portugueses, incluindo Catarina Furtado… Sem deslumbrar, é um filme curioso.

Animal, que mistura thriller e ficção científica (de forma ligeira), tem participado em diversos festivais internacionais (Chicago e Finlândia), venceu dois prémios no Fantasporto e já esteve em exibição em França.